Lá na Bíblia diz que “há tempo para tudo e uma estação para cada atividade sob os céus” e mesmo assim Heitor andava ansioso, nada acontecia em sua vida, resmungava pra alguém e cara feia pra outros. Todos os amigos de Heitor eram aplausos, enquanto ele nenhum ruído. Abriu o armário, escolheu suas asas azul-marinho e foi voando ao encontro do Mestre.
O Mestre era uma tartaruga velha que já tinha visto e ouvido de tudo. Quando recebeu Heitor em sua casa, o abraçou com os seus olhos enrugados. “Quanta mudança alcança o nosso ser... Posso ser assim daqui a pouco não”², foi o que disse enquanto arrumava um lugar pro seu visitante. Mesmo que parecesse que o Mestre já sabia do que se tratava o assunto, Heitor começou a contá-lo o que o afligia. A amável tartaruga escutava o que o garoto dizia, com um leve risinho no rosto, quando parou, o Mestre pôs na mesa os seus ensinamentos:
“-Asinhas, não esteja preocupado com o dia de amanhã, vivamos um dia após o outro. ‘Antes que o tempo, a clave; antes da noite uma tarde; antes do barco, a chuva; antes da roda o frio; antes do vinho a uva.’² O Sr. Tempo nos testa o tempo todo, o tempo todo nos testa o Sr. Tempo. Testa o nosso IN, nosso ON e até nosso OUT e ‘como quem compõe roupas, o outrora compúnhamos’³. Não se pergunte onde ele te fará ser, mas seja onde você é agora, porque como já foi dito ‘Antes que o tempo, clave, sustenidos e bemóis; antes do inteiro a metade; antes do vôo o tombo; antes tarde do que nunca, pra nunca mais demorar.’² ‘Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.’³” O mestre fez uma breve pausa como se para o seu amigo assimilasse tudo o que havia dito e continuou: “ ‘Antes do medo o amor, antes do amor a dúvida.’² Há tempos para todas as coisas, apenas se preocupe em ser melhor hoje. Não andeis ansioso, há tempo de dar colo e há tempo de decolar, ‘um tempo de nascer e um tempo de morrer, tempo de matar e um tempo para curar, um tempo de derrubar e tempo de construir, tempo de chorar e tempo para rir, um tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntá-las, um tempo para procurar e tempo de desistir, um tempo para ficar em silêncio, um tempo para amar e tempo para odiar, tempo de guerra e um tempo de paz.’¹” Heitor levantou a cabeça, que há pouco mirava o rodapé de uma parede velha, fez que ia fazer uma pergunta mas a sábia tartaruga voltou a tagarelar “Todas as coisas que te acontecem hoje podem estar te preparando para o amanhã, ‘e tudo o que eu criar pra mim, vai me abraçar de novo semana que vem’², ‘pouco a pouco o passado recordamos e as histórias contadas no passado, agora duas vezes.’³ O antes, agora não é mais, pra amanhã o agora não ser mais. ‘Minha mochila de lanches? É minha marmita requentada em banho Maria! Minha mamadeira de leite em pó, é cerveja gelada na padaria. Meu banho no tanque? É lavar carro com mangueira. E se antes, um pedaço de maçã, hoje quero a fruta inteira’² e se é a fruta inteira que você quer, caro Heitor é a fruta inteira que terá." Da sua moderna prateleira, o cuidadoso Mestre tirou um livro grande e bonito, abriu em uma página qualquer e sem dar tempo para que o segundo tomasse nota foi receitando “Reciclar a palavra, o telhado e o porão... Reinventar tantas outras notas musicais... Escrever o pretexto, o prefácio e o refrão... Ser essência MUITO mais...’²” Parou e observou “Posso ver nos seus olhos expressivos que está começando entender, não é mesmo, meu filho? ‘O que há, é o que é, e o que será.’² Antes há vida, mas ‘certamente o destino dos seres humanos é como o dos animais, o mesmo destino espera a ambos: como morre um, assim morre o outro. Tudo é sem sentido.’¹
O Mestre olhou pela janela “ ‘Eu não sou Sr. tempo, mas eu sei que vai chover’, está na hora de seguir em frente, meu grande amigo." O mestre lhe deu um capacete e um escudo dourado que, premeditadamente, ornavam com suas volumosas asas. O jovem saiu voando e enquanto ar se perguntava como o seu mestre podia saber tanto a seu respeito já que silenciava. O Mestre enquanto terra, pensava que seu fiel amigo entrou com um coração aflito e levou no peito um coração sereno, e com o conhecido risinho no rosto falou baixinho “Nas asas do tempo a tristeza voa”³
Heitor
referências:
¹ Bíblia Sagrada - Eclesiastes 3
² O Teatro Mágico - A primeira semana / ... / De ontem em diante
³ Fernando Pessoa / Ricardo Reis- Tempo de travessia / Cada coisa à seu tempo